segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sinal


Fecho os olhos
e sei o instante
em que tudo foi mais
que corpo e suor,
eclipse total do mundo lá fora.

Fecho os olhos
e estou parada
no mais perfeito semáforo do tempo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Adeus, verão


E o verão acabou. Adeusinho, verão. Meio mundo suspira, quere-o de volta, chora-lhe a partida. Outro meio tem esperança que o que dele resta se apague, querem gorros e casacos, frio e lareiras. Eu, ali no meio. A pensar como detesto temperaturas extremas, como me derreiam, me dominam, me anulam, feliz com o Outono.

Feliz com a palermice quase pavloviana de tanta gente apenas associar verão com férias; feliz com os automatismos mentais que afastam tanto povo da beira-mar assim que se chega ao último-dia-de-verão, como se lhes retirassem o passe social para a praia. Feliz, feliz, feliz.

O paredão agora é só meu e de mais uns quantos a quem não importa se chove ou faz sol. O areal já não tem restos de lanches e milhares de pegadas. O mar já não se enrola nas vozes da turba nem no som dos rádios ou das criancinhas mais exasperantes. Enrola-se apenas, se eu deixar, na tua voz, amor, enroscadinha na minha orelha esquerda, matando saudades.

domingo, 19 de setembro de 2010

direcção felicidade


Estrada.
Longa.
Tempo.
Tanto.
Braços.
Abertos.
Coração.
Suspenso.
Passos.
Seguros.

Acredito que vens devagar
mas vens a caminho.
De nós.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Princípio, meio e fim


Na mesa de cabeceira há um livro que se arrasta pelo que resta do verão. Um livro que não me convence de todo e que, ainda assim, não consigo abandonar. De cada vez que o volto a pousar, cansada de tentar tirar dele prazer, renego-o. Garanto que amanhã, na hora de me aninhar na almofada de óculos no rosto, farei outra escolha, avançarei para mais verdes pastos.

E, no entanto, quando a alma diz que é hora de ler, a mão continua a esticar-se na direcção do topo da pilha e a agarrar o mesmo livro. Talvez hoje consiga dar cabo dele, já falta menos de metade, digo de mim para comigo, optimista inveterada, o que tantas vezes não ajuda. E, ali a jeito, outras opções, várias garantidamente mais entusiasmantes, algumas na fila de espera há meses, tantos que chego a sentir-me o sistema nacional de saúde.

Acho que também sou assim noutras coisas. Não sei desistir a meio, tenho que levar o processo até ao fim, ficar com a certeza sobre se valeu ou não a pena. E, se não valeu, poder arrumar na prateleira sem crises de consciência ou dúvidas mais ou menos metódicas. Não sei viver de outro modo, que querem...

sábado, 4 de setembro de 2010

Eyes wide shut


Não quero outra pele
senão a tua,
outro toque
que não o teu,
outro cheiro que não o nosso
suados
profundamente esgotados
da nossa dádiva
mútua.

Não quero outras palavras
senão as poucas
que me ofereces,
nunca tive tantas certezas
alinhavadas no silêncio.

Acredito nos actos
nos pequenos gestos
que leio de olhos fechados.

Ter.

E ter a certeza absolutamente absoluta sintética analítica
de que és a outra metade de mim.